Enrique Coimbra teve minha atenção após um post na rede social cara-de-livro pela sinopse:
“Em Santa Cruz, subúrbio do Rio de Janeiro, um trio de roqueirinhos esquisitos buscam poder através das forças ocultas.”
A grande verdade é que eu me identifiquei pra caramba com essa premissa. Primeiro por ter morado toda minha juventude em um subúrbio carioca, segundo por sempre me sentir deslocado daquela realidade que ao meu ver mais incentiva uma cultura que nunca concordei. A de: Carioca se acha demais e todo e qualquer prego que se destaque tem que ser martelado.
É triste, mas é uma realidade que sei que acontece em várias outras cidades, que apesar de parecerem por fora um berço para o progresso e a liberdade, no fundo nutre ódio contra o que é diferente.
Com esse pequeno desabafo que começo essa recomendação. Uma narrativa crua, cínica e subversiva de uma cultura conservadora e hipócrita. Retrato da nossa sociedade atual.
É claro que o livro extrapola esse clima, dando as motivações necessárias que movem o enredo. Pais abusivos, alheios e até violentos. Tendo como ponto de vista os adolescente que co protagonizam o livro.
E é interessante o quão gostoso é a narrativa. Páginas e mais páginas de ironias desenfreadas e aventuras pelo submundo “pirigótico”. Mostrando também a faceta recortada (e essa nem tanto assim extrapolada) dos jovens rebeldes que passam a noite bebendo vinho na sarjeta, com camisas de banda de death metal e entoando xingamentos aos não iniciados naquela ecossistema underground.
Os personagens buscam seu graal através de rituais em busca de pacto com entidades conhecidas, fazendo um amalgama de diversos ritos e crenças, que viajam desde o xamanismo europeu, indo ao voodoo haitiano, à ícones herméticos da alquimia e até demônios goécios de diversos nomes. Todos esses elementos que jovens como eu estudava na adolescência.
Enrique deixa claro suas referências não só na forma como conta essa estória, como dentro do próprio plot. Écio, Guido e Thaísa são fascinados por filmes como “Jovens Bruxas” e buscam algo parecido com o que só conhecem dentro de filmes em fitas vhs e sites toscos que falam sobre rituais.
A expectativa com a trama foi a mais alta possível e por isso a obra me surpreendeu em diversos pontos, decisões da trama que não vi chegarem e que demorei a me acostumar. Em seu início, fantasia e realidade se fundem em uma estreita realidade e o salto da metade pra frente no livro torna essa sutileza num pulo estratosférico para um ambiente mágico e sombrio. Onde o trio é agraciado por uma força que não falarei para não estragar a surpresa dos iniciados.
Falando sobre esses três, o desenvolvimento dos personagens é um excelente exemplo para qualquer autor. No começo do livro eles já são tridimensionais o suficiente para se importar com eles. Já no final – ame-os ou odeie-os – eles se tornam ainda mais voláteis frente ao que passam e isso é encantador. Écio é o líder capaz, estudioso e muitas vezes mestre e figura quase paterna dos outros dois. Guido é o sempre dividido, tanto por suas habilidades mediunicas pouco desenvolvidas quanto a aceitação de sua própria sexualidade e Thaísa como a integrante feminina, apesar de sensível e muitas vezes insegura, vai tomando o papel girl power e é a que mais cresce conforme as páginas se vão.
O livro é conciso e o final vai dividir opiniões, só espero que o autor esteja já trabalhando na continuação, ou vou pessoalmente fazer uma visitinha astral ao demônio dele e retirar sua imortalidade com minhas próprias mãos. Recomendação máxima.
Título: Os Hereges de Santa Cruz
Autor: Enrique Coimbra
Páginas: 203
Nota: 4/5