A graphic novel Entrevista com o Vampiro: A história de Cláudia fez renascer as amarguras originais do obrigatório Entrevista com Vampiro de Anne Rice. Desde já confesso que sou suspeito para falar de qualquer coisa que se relacione a este universo, principalmente em se tratando das Crônicas Vampirescas.
Depois de perder sua filha, Rice escreveu o livro que deu inicio a uma série de romances de qualidade, que até hoje permanecem como a referência mais consagrada do sub-gênero de vampiros em toda a cultura pop, desde Drácula de Bram Stoker. A obra de Rice provocou o surgimento de RPGs como Vampiro, a máscara e Vampiro, o réquiem, e até mesmo de novos conceitos nas narrativas góticas e de horror, o horror pessoal. Além de todo esse currículo invejável, Entrevista com Vampiro causou polêmica e paixão, tudo movimentado por uma legião de fãs inflamados de todas as idades e origens.
Homossexualidade, pecado, assassinato, erotismo e tristeza são alguns dos pontos controversos da obra de Rice, mas pouca coisa chocou tanto, dentro e fora das Crônicas Vampirescas, como a personagem Cláudia em Entrevista com Vampiro. Uma criança de 6 anos, órfã, que é convertida em vampiro e torna-se um poço traiçoeiro de fúria, morte, angustia e beleza, condenada a manter a aparência infantil para sempre. Segundo a própria autora, Cláudia foi inspirada em sua filha morta. É exatamente esse ponto tão memorável que a Graphic Novel Entrevista com Vampiro: A história de Cláudia busca resgatar, “tocar na ferida”.
Dessa vez, as páginas nos colocam por dentro da narração da própria Cláudia. Somos presenteados com a perspectiva dela dos fatos que transcorrem no período em que ela esteve ao lado do atormentado Louis de Pointe Du Lac (o narrador original no romance de Rice). Não existe nenhuma história nova sendo oferecida, apenas uma nova perspectiva sobre uma história que dispensa adendos e correções.
A HQ faz bem o trabalho ao qual se propôs. O roteiro é adaptado por Ashley Marie Witter a partir do próprio livro e com supervisão de Anne Rice Isso dispensa comentários sobre a trama, já que ela emula e equivale a incontestável qualidade de Entrevista com o Vampiro. Sabendo disso, Witter, que também é a desenhista, converteu o romance para os quadrinhos com uma arte deslumbrante em grande estilo.
O traço da Graphic Novel é inspirado em mangás, tem uma excelente representação dos cenários tanto internos quanto externos. As roupas, por serem de época, marcam muito a atmosfera da história e seus traçados chamam a atenção nos quadros. Além disso, a arte de Witter foi assertiva em se focar nas expressões faciais dos personagens, principalmente nos olhos e nos gestos feitos com as mãos. As imagens dos quadros conseguem transmitir corretamente o ar soturno da história e a melancolia que cerca os protagonistas. Tudo isso, somado aos balões e aos pensamentos de Cláudia, provocam no leitor a impressão de uma tristeza letárgica, muito semelhante ao efeito causado pela narrativa do romance original de Rice. Toda a arte desta obra é colocada em tons de sépia que variam bastante do claro ao escuro, as únicas cores além disso são o vermelho do sangue e o alaranjado do fogo.
A edição foi feita pela Rocco. A capa dura traz uma ilustração escura que poderia muito bem ser um quadro em uma galeria de arte. O papel couchê é de gramatura bem densa, o volume chega até mesmo a ser bem pesado para o tamanho, basta segurá-lo para perceber que o trabalho material é de alta qualidade.
Se você não leu Entrevista com Vampiro, esta Graphic Novel é uma excelente porta de entrada, talvez até melhor que o filme. Se você já leu Anne Rice, é uma excelente pedida para revisitar o universo das Crônicas Vampirescas em uma nova mídia com uma perspectiva inédita.
Ps: Aproveito o tema desta resenha para pedir ao Andrei Fernandes que não se esqueça do Mundo Freak Confidencial sobre vampiros. Todo mundo vai curtir.