A literatura fantástica e de horror no Brasil já está consolidada, os autores são competentes e as obras são excelentes. Mas, venhamos e convenhamos, falta a variedade e Kalciferum de Andrei Fernandes é a grata surpresa que contraria essa regra com uma das histórias mais imersivas e empáticas na cena da literatura pop em 2016.
Dentro de uma lógica de mercado cruel, rodeada por uma sociedade que resiste ao prazer inconteste da leitura, o trajeto do livro de Andrei Fernandes e o produto final são a prova viva de que existe poder na literatura fantástica nacional e de que nós podemos esperar catálogos e universos cada vez melhores.
Na trama, depois de um tempo de penúria, o jovem Rafael Branco encontra um emprego e descobre que seu estagiário Cal é um demônio fugitivo que o induz a celebrar um pacto demoníaco. Presos por um acordo, aparentemente benéfico para os dois, eles acabam se “desaventurando” para dentro de conflitos e conspirações envolvendo outros demônios, feiticeiras, uma sociedade secreta e até mesmo youkais.
A história, os personagens e os ambientes de Kalciferum lembram bastante a obra de Neil Gaiman e as hqs de Hellblazer. Tudo isso sem perder a originalidade. Só por esse ponto, o livro já é uma excelente pedida para os freaks. Além do romance nos remeter para essas duas grandes peças da cultura pop ele está cheio de referências bem ajustadas que vão dos sabres de luz de Star Wars até a recente cultura ocultista e sobrenatural da internet, temática trabalhada com sucesso no podcast do autor.
Outro dos méritos do livro é a imersão da trama. O leitor dificilmente conseguirá desgrudar antes do final e não terá dificuldades de ler ele de um fôlego só. Isso se deve ao fato de estarmos sendo introduzidos em um universo novo, povoado por mistérios nunca resolvidos em uma única ocasião, além disso, o mundo de Kalciferum é um lugar perigoso e sempre se tem a impressão de que algo sombrio pode saltar das paredes.
Nada disso seria possível sem o grande nível de empatia que é despertado pelos personagens, principalmente em se tratando do protagonista Rafael, no começo, é possível sentir o desespero e o tédio da falta de emprego, depois sentimos vontade de olhar por cima do ombro cada vez que o personagem sente a aproximação de uma zona crepuscular ou outra coisa ruim.
O mundo de Kalciferum é um destaque a parte. Uma cidade grande onde se ocultam os mais diversos seres sobrenaturais, geralmente perigosos e onde a magia ainda é praticada em um submundo que esconde seitas secretas. Tudo isso faz lembrar, e muito, o cenário de RPG World of Darkness da editora White Wolf.
Também é interessante destacar o fato de que o livro entrega mais do que o prometido e nos mostra uma história cheia de arcos que ainda podem ser exploradas em contos e até mesmo em outras mídias, no meu caso, por exemplo, ficou uma baita vontade de conhecer mais a história de Beni do “serviço de recuperação”.
A edição do livro é tão primorosa quanto o conteúdo, o volume é em capa dura e cada transição de capítulo é uma carta de um baralho de tarô com cenas e personagens da trama.
Kalciferum é uma grande estreia de Andrei Fernandes enquanto escritor de romances. A história é primorosa, personagens excelentes e empáticos, some-se a isso uma trajetória de publicação exemplar e temos uma das histórias obrigatórias de 2016 para nós freaks e bibliófilos, ou freaks bibliófilos.
Título: Kalciferum, Demônios, Bruxas e Vagantes
Autor: Andrei Fernandes
Editora: Penumbra
Páginas: 384
Nota; 5/5