Sabe aquele livro/quadrinho/mangá que você sempre vê nas prateleiras de uma banca ou livraria, atiça sua curiosidade, mas você acaba não levando por alguma razão (normalmente financeira)?
Pois é. Who Fighter e o Coração das Trevas se encaixa nesse caso. Tudo começou láááá em meados de 2012,quando um amigo meu abriu a primeira comic shop de Caruaru City, um marco para a cidade onde o consumo editorial se destaca mais por senhoras que compram revistas de fofoca com resumos de novelas do tipo “No episódio de hoje, Laura diz para Amélia que Cida é mãe de Adalva. João descobre que vovô viu a vulva de vovó. Celso sai do e descobre que ele não é ele. Na verdade, ele é outro ele”.
Enfim, eu era um dos frequentadores do local, muitas vezes apenas para jogar conversa fora. Mas sempre olhava para a prateleira e via esse mangázinho simpático, muito diferente dos ninjas vestidos de gari com papetes ou piratas com sérios problemas ósseos. No entanto, nunca o levava, mas ele permanecia martelando minha cabeça. A capa me chamava a atenção justamente por não mostrar demais. Tínhamos apenas um par de olhos por trás de antigos óculos de aviador e um avião mergulhando para o que parecia uma estranha explosão branco-azulada. E era justamente aquele par de olhos, que pareciam querer me dizer algo, que sempre me faziam parar e encara-lo na prateleira.
Acontece que meu amigo acabou fechando a loja e vendeu boa parte do seu estoque para uma loja concorrente que havia surgido tempos atrás, pertencente à um amigo dele. E Who Fighter e O Coração das Trevas seguiu para a nova casa, mas a rotina de “troca de olhares” continuava sempre que eu dava aquela passadinha na nova loja. Certo dia, para minha alegria, o dono da nova loja resolveu vender parte dos seus encalhes com 50% de desconto. Quem é universitário sabe que a palavra “dinheiro” soa da mesma forma que a palavra “Saci”, algo fantástico que muita gente jura que viu, alguns dizem que até sabem onde encontrar, mas tudo que chega até você são as lendas. Provido de muita pindaíba e pouca grana, finalmente levei Who Fighter e O Coração das Trevas para casa.
“Porra, Hellbolha…essa novela todinha pra dizer que comprou a porcaria de um mangá na ‘Pobre Friday’, meu filho?” você pergunta, impaciente leitor. E eu digo: CALMA! Aí entra a segunda parte da saga dos livros que você sempre vê e nunca leva: A emoção da descoberta!
Esta emoção sempre vem acompanhada de algumas surpresas. Algumas vezes não muito agradáveis, quando você acaba descobrindo que a capa bonita parece ter sido caprichada pra compensar pela história medonha que as páginas carregam. Algumas vezes as surpresas são boas, quando você confirma que a história é tão boa quanto você esperava. E, algumas vezes, as surpresas são SENSACIONAIS, quando você descobre que a história vai além do que você esperava e te entrega algo que te fará ler e reler quantas vezes forem possíveis. E é justamente nessa terceira categoria de surpresas que Who Fighter e O Coração das Trevas se encaixa.
O que, inicialmente, eu julgava ser um mangá que mostraria histórias de guerra focadas em pilotos de avião, o que parece ser a paixão do autor Seiho Takizawa, acabou se revelando uma trama com tudo que eu mais amo: mistério, eventos inexplicáveis, conspirações e extraterrestres! Bem, pelo menos em parte…mas calma que eu explico!
Who Fighter e O Coração das Trevas se divide em duas histórias diferentes, caso você não tenha percebido ao ler o título ( confesso que eu não tinha me dado conta disso achando que seria apenas um título gigante que algum blogueiro maluco ficaria repetindo á exaustão em um post quilométrico em um futuro próximo e que se daria ao trabalho de explicar aos leitores em uma das maiores frases entre parênteses da história da internet). A primeira delas é justamente a minha preferida, a tal Who Fighter.
Nela, somos apresentados ao Tenente Kitayama, piloto da Força Aérea Japonesa em plena Segunda Guerra Mundial. No entanto, é em 30 de novembro de 1944 que a já conturbada vida do Tenente Kitayama irá mudar completamente. Acontece que os japoneses acabam ouvindo relatos de uma estranho objeto voador sobrevoando a península de Izu e se dirigindo para Hachioji em Tóquio. Já em desvantagem contra os equipamentos da Força Aérea Americana, tanto que alguns aviões japoneses precisavam voar sem armamento para alcançar as elevadas alturas doa aviões americanos e, por fim, se jogarem contra o inimigo afim de abatê-los, Kitayama é enviado para se certificar se o estranho objeto não seria uma nova e letal arma norte-americana. Porém, ele não estava pronto para o que encontraria…
Após disparar contra a enorme bola de luz, a qual fez o equipamento eletrônico de seu avião torrar, Kitayama vê o estranho obejeto cair em uma floresta de Hachioji, no entanto nem ele nem o co piloto veem vestígios do local da queda. Após ser forçado a pousar em uma base próxima, Kitayama discute com o mecânico o que poderia ter causado a tal pane nos circuitos eletrônicos e o mecânico prontamente descarta a possibilidade de qualquer arma existente naquele momento da história. É quando um grupo de militares pertencentes ao que chamam de “Centro Noborito de Pesquisas do Exercito”, chefiados por um homem chamado Ozaki, pedem para que Kitayama os acompanhe.
Ozaki pede total descrição para o que está prestes a ser revelado a Kitayama e acaba deixando claro que ele não foi o único piloto a ter avistado objetos estranhos sobrevoando aquela região, no entanto Kitayama foi o único a ter um contato mais próximo. Já imerso em todo o mistério da situação, Kitayama é levado a um lugar onde fará sua total descrença em seus olhos aumentarem ainda mais: O local da queda do tal obejeto. Porém, tudo que sobrou foram 400 metros de área desmatada por algo que parece ter explodido do centro para fora, mas sem deixar vestígios de queimadas ou nenhum destroço maior que pedaços de metal de 50 centímetros. O mistério só aumenta em proporção quando o cão pastor que guardava o local é encontrado morto com diversas mutilações limpas e de precisão cirúrgicas pelo corpo, além de ter tido os órgãos removidos.
A partir daí, Kitayama se lança em uma investigação pessoal afim de se livrar da teia de mentiras em que Ozaki parece insistir em jogá-lo. Mal sabe ele que o que está para descobrir vai muito além do que está pronto para acreditar.
Já O Coração das Trevas nos coloca em uma trama onde o maior mistério é a mente humana. Aqui somos apresentados ao primeiro tenente Maruo, um membro das operações especiais japonesas que é convocado para encontrar todo um regimento desaparecido nas florestas do Sudeste Asiático sob o comando de um homem conhecido como Coronel Kurutsu.
Agora Maruo irá subir o rio Salween em uma pequena chalana armada junto de uma pequena tripulação se lançando em uma missão onde a incerteza será sua companheira constante. O que aconteceu ao Coronel Kurutsu e seu regimento? Por que ele se tornou tão importante a ponto de armarem uma pequena operação secreta para localizá-lo? Será que Maruo está do lado certo? Essas são apenas algumas das perguntas que Maruo irá se fazer durante a viagem mais sombria de sua vida.
Como já ficou bem claro, principalmente pela atenção dada a sinopse, Who Fighter é minha história favorita deste mangá em volume único lançado pela HQM. Sem falar que ela toma pouco mais da metade das 208 páginas da edição. E se você é aficionado por ufologia e acompanha obras que tratem do tema, com certeza irá encontrar certa familiaridade em alguns acontecimentos vistos na trama. E não é pra menos!
A grande verdade é que Who Fighter nada mais é que, assumidamente, uma sopa de referências tiradas de livros conceituados sobre ufologia, sejam ficcionais ou não. Para você se localizar melhor, eis os quatro livros que serviram de base para o roteiro:
° Alien Base: The Evidence of Extraterrestrial Colonization of Earth de Timothy Gordon
° Alien Dawn de Colin Wilson
° The Mothman Prophecies de John A. Keel
° The Truth About The Army Noborito Research Institute ( Rikugun Noborito Kenkyujo no Shinjitsu) de Shigeo Ban
Claro que existem outras referências na trama que vão além da literatura, indo de referências a filmes como Contatos Imediatos de Terceiro Grau, Fogo no Céu à acontecimentos bizarros e reais, como o famoso Projeto Montauk e suas consequências e, é claro, os famosos Foo Fighters da Segunda Guerra Mundial.
“Mas essa salada de referências não resulta em uma história confusa e carente de originalidade?” você volta a perguntar, desconfiado leitor. E a resposta é um animado NÃO! Muito pelo contrário. Se a originalidade realmente não é a tônica aqui, a trama é muito bem delineada e vai te prendendo a medida que Kitayama vai indo cada vez mais fundo nos mistérios que se mostram cada vez mais e mais sinistros. O resultado final é uma história com um clima que equilibra suspense, terror e tensão de fazer inveja a muito blockbuster moderno sobre invasão alienígena e abduções.
Já O Coração das Trevas se afasta da ficção e finca o pé na realidade, mas não está longe da proposta de usar livros como referências para sua trama, sendo que nesse caso foi utilizado apenas um. Talvez alguns de vocês tenham notado certa familiaridade ao ler a sinopse que escrevi acima. E não é pra menos! O Coração das Trevas nada mais é que uma adaptação do livro homônimo de Joseph Conrad que deu origem a um dos clássicos do cinema, o famigerado Apocalypse Now, estrelado por Matin Sheen e Marlon Brandon.
Neste momento pedirei licença para espalhar um pouco de heresia entre os fãs do filme. Acontece que meu primeiro contato com Apocalypse Now foi com sua versão estendida, com 40 minutos a mais, e isso me fez achá-lo um dos filmes MAIS CHATOS QUE JÁ VI NA VIDA (titulo QUASE perdido para Batman V Superman)! Sério, como eu disse, esse foi meu primeiro contato com o filme e fiz questão de que fosse o ÚLTIMO também. O filme é extremamente lento e contemplativo, coisa que nem era incomum na época de seu lançamento, mas quase 3 horas de contemplação e lerdeza…nem uma tartaruga tetraplégica de ré tem saco pra aguentar.
No entanto, Seiho Takizawa consegue manter os momentos contemplativos sem tornar a história torturantemente chata como no filme, e ainda nos brinda com um final cheio de ação que, apesar de puxar mais pra um “Rambo” ou “Bradock”, consegue casar bem com a trama e deixa a história extremamente divertida.
E se Takizawa se saí muito bem no roteiro, nos desenhos ele consegue um resultado ainda melhor. O traço simples se une a uma narrativa fluída e cenas de ação dinâmicas para nos entregar um mangá que se torna gostoso de se ler. Um ponto bacana a se destacar é a similaridade do trabalho de Takizawa com o de uma figurinha extremamente carimbada no mundo dos “personagens zóiudo”, o senhor Katsuhiro Otomo, criador de nada mais nada menos que Akira e Domu.
Desde as figuras meio atarracadinhas, passado pelos narizes rabiscadinhos e culminando na fluidez e no movimento que as cenas de ação passam, a impressão que se tem é de que Katsuhiro Otomo fez o layout e Seiho Takizawa trabalhou em cima. Esse é um fator que poderia render pontos negativos ao autor, mas apesar de tudo, Takizawa ainda mantém a personalidade de seu traço. E se é pra mostrar que foi influenciado por alguém, pelo menos que seja alguém realmente bom!
Ao final do mangá ainda somos brindados com uma história de 8 páginas intitulada Tanques. Aqui não temos influências ou referências. Essa é apenas uma historinha curta onde Takizawa, apaixonado por maquinário de guerra, aproveita para desenhar esses monstros de metal pelos quais tem uma queda.
O saldo final de Who Fighter e O Coração das Trevas é extremamente positivo. Não sei qual foi a receptividade do mangá na época de seu lançamento, mas desconfio que não tenha sido muito positiva, já que não se tem noticias de outros materiais do autor chegando às bancas e livrarias. Uma pena, pois Takizawa tem obras mais autorais maravilhosas e sua paixão por aviões e outros maquinários de guerra rendem histórias visualmente deslumbrantes.
Enfim, busquem Who Fighter e O Coração das Trevas, é fácil de encontrar BARATISSÍMO pelos Mercados Livres da vida. Acredite, vale MUITO a pena!
Who Fighter e O Coração das Trevas
Editora: HQ
Ano: 2010
Notas: Who Fighter: 9,0/O Coração das Trevas: 8,0