Eu posso vê-los. Não como todos conseguem ver, os vejo como realmente são. Vejo através deles, todos eles. Andando pelas ruas, nos transportes públicos, em bares e shoppings. Ouço suas conversas e tudo parece fútil, entediante ou exagerado. Não preciso que abram suas bocarras e despejem todo esse chorume por onde passam para saber que, para mim, sempre serão insuficiente ou demasiado. Nunca um meio termo. Nada suportável. Tudo é esperado. É expectativa negativa. Mas eu não os condeno, de jeito nenhum. Quem sou eu para me diferenciar desses Monstros Invisíveis?
O fotógrafo na minha cabeça diz:
Quero amor.
Flash.
Quero paixão lancinante.
Flash.
Quero minha vida de volta.
Quando todos querem e esperam que você volte para uma vida normal, você tenta. Mesmo quando você é uma modelo com uma carreira promissora que levou um tiro no maxilar de um fuzil calibre 30. E para alguém que sempre gostou de ser percebida como uma deusa em meio aos homens, a nova imagem é um tanto quanto prejudicial. Na TV, a voz do infomercial diz que é preciso comprar essa máquina de petiscos. A linda garota no infomercial aponta para a máquina, mas é o rosto perfeito dela que suga toda a atenção. Shannon era essa garota. Era, porque agora ela é Bubba-Joan em Seattle, e Daisy Saint Patience em algum lugar do Oregon, ou ainda mais quem surgir na mente da rainha suprema, a sacerdotisa da salvação Brandy Alexander. Escutem agora a palavra da Senhora.
Corta para antes do tiro, quando tudo parecia bem embaixo dos metros de tecidos caros e marcas que fazem pessoas valerem mais do que valem. Shannon era linda, tinha um namorado maravilhoso, uma amiga fiel e sua carreira estava começando a dar certo. O fotografo berra sem parar:
Quero mais
Flash.
Quero o mundo.
Flash.
Quero a feia e escamosa verdade.
Corta para a parte em que ela não quer mais ser salva.
O tiro que arrancou o maxilar de Shannon também trouxe um mundo totalmente desconhecido: o do anonimato. Com Brandy Alexander e Seth, ela cruza fronteiras do país, da ciência e das leis, roubando medicamentos e hormônios caros de mansões à venda. Uma overdose por dia, graças a Deus. Tudo em busca de atenção, juventude e amor. Quem você ama e quem ama você nunca são a mesma pessoa. Uma jornada que revela mais do que deveria, e que só uma boa dose de Darvon pode ajudar.
Em Monstros Invisíveis, Chuck Palahniuk despedaça, desconstrói e não junta os cacos. O autor do clássico Clube da Luta criou uma linha temporal tão quebrada quanto suas personagens, e faz você caminhar por memórias há muito esquecidas, em mentes de águas rasas e densas, ou profundas e claras. Esse quase roteiro tem um formato singular, e é quase como se você já tivesse visto esse filme antes. Descubra pelos doces e azulados lábios da rainha suprema que, se reinventar é significa apagar o passado e criar algo melhor, e que a salvação se esconde nos lugares que gostaríamos de visitar.