É difícil mensurar o que o trabalho de Raphael Draccon tem feito pela literatura fantástica no Brasil. Ele figura entre uma trupe de escritores que, nos últimos anos, tem oferecido fantasia brasileira de qualidade para um público cada vez maior de leitores. Cemitérios de Dragões é seu livro mais recente. Quando peguei o volume em mãos, eu estava um pouco enjoado de fantasias medievais, mas, ao dar início à leitura, percebi que esse novo universo de Draccon vai muito além desse subgênero.
A trama acompanha a aventura de cinco humanos que despertam em uma nova realidade, um mundo povoado por seres fantásticos, magia e tecnologia que vão desde simples espadas até armaduras de metal vivo. Essa nova dimensão está ameaçada por um cruel rei demônio que ameaça conquistar outros mundos com um poder titânico que irá encontrar um obstáculo formidável nos cincos desorientados, porém heroicos, humanos vindos da nossa dimensão.
A escrita de Draccon está mais ágil e imersiva do que nunca, é possível ler Cemitérios de Dragões em um fôlego só. Os capítulos são curtos, mas possuem múltiplas camadas de conflito e desenvolvem os personagens com a profundidade que todo leitor de ficção fantástica espera. Como já é um fato conhecido nas obras do autor, as páginas do livro estão povoadas por dezenas de referências à cultura pop que aparecem de múltiplas maneiras sem prejudicar a originalidade da obra que, aliás, é um de seus pontos mais fortes.
Em se tratando de uma história de tokusatsus em meio a um mundo fantástico semi-medieval, com um enredo desenvolvido por múltiplos pontos de vista convergentes ou conflitantes (como em Duna e Guerra dos Tronos), pode parecer complicado falar de originalidade, mas o fato é que Draccon soube explorar todo esse conteúdo do seu jeito e com competência.
Para começar, o tema de tokusatsus é abordado de maneira inovadora. O autor nos fornece algumas explicações divertidas e interessantes para questões que todos nós já fizemos quando passávamos horas em companhia de Jaspion, Power Rangers ou Black Kamen Rider. Quem nunca quis saber por que as armaduras eram tão indestrutíveis? Como todas aquelas armas apareciam do nada? Como é que esses garotos aprenderam técnicas tão elevadas de combate corporal em tão pouco tempo? Cemitérios de Dragões se permite brincar com essas coisas de maneira muito, muito interessante.
Outra coisa que me chamou muita atenção é a descrição que o autor elaborou para a realidade fantástica onde se passa o livro. Embora existam referências às fantasias medievais clássicas, o mundo exposto no livro – onde seres de diferentes planetas e dimensões se encontram – é estranho o suficiente para que o leitor perceba que se trata de um lugar com estruturas culturais, mágicas e tecnológicas que simplesmente extrapolam qualquer categoria temporal que possamos extrair de uma cronologia histórica da Terra. Portanto, a obra nos leva de fato a um mundo novo em vários sentidos. Impossível descrever o quanto isso é bem vindo e agradável. Toda essa paisagem diegética segue regras seculares do romance, pois somos presenteados com a visão dos personagens acerca desse brilhante universo, evitando assim muitos lugares comuns de narradores excessivamente presentes que já saturam o gênero da fantasia.
Outro aspecto que marca profundamente a leitura de Cemitérios de Dragões é a intensa falta de pudor das cenas de barbárie, felizmente, Draccon não quis poupar o público de ambientes infernais e cruéis, isso deu uma aura verdadeiramente ameaçadora ao demônio rei Asteroph, o vilão, e ao seu sistema de dominação. Impossível não ficar estarrecido ou assustado diante das atrocidades da criatura, isso dinamiza a trama e faz o leitor sentir, logo de cara, empatia pelos protagonistas e seus aliados. A sequência do livro, que retrata uma arena na qual as vítimas de Asteroph são humilhantemente obrigadas a lutar entre si e contra uma criatura horripilante, é capaz de arrancar arrepios e marcar a cabeça do leitor por um bom tempo, é uma das experiências mais imperdíveis da literatura fantástica brasileira.
No que tange aos protagonistas, existe certo desequilíbrio neles, todos são muito bem construídos e tem suas motivações claras, ocupando papéis adequados no livro. Mas três deles são personagens muito fortes, Ashanti, Daniel e Derek. Os outros dois, Romain e Amber, têm excelentes backgrounds, são carismáticos e se encaixam bem na trama, mas senti um desnível neles durante a evolução da história, principalmente se os compararmos aos outros colegas. Contudo, isso é pequeno demais para ser considerado um ponto negativo, e não tenho dúvidas de que a situação dos dois vai evoluir bastante na continuação Cidades de Dragões.
O final começou muito acelerado, mas logo encontrou o ritmo, preconizando a carreira épica que essa nova série irá seguir, o último combate evocou imagens poderosas de cair o queixo. O final foi brilhantemente roubado por um diálogo muito interessante entre Asteroph e a bruxa demônio Ravenna.
Sem mais delongas, Cemitérios de Dragões é leitura obrigatória para todo freak e todo leitor de fantasia. Uma obra original, mas recheada de referências que só tornam ainda mais cativante o universo de Raphael Draccon.
Não se esqueça de conferir os posts do Mundo Freak sobre Tokusatsus:
Título: Cemitérios de Dragões – Legado Ranger I
Editora: Rocco
Autor: Raphael Draccon
Nível de Dificuldade de Leitura: Fácil
Nota: 5/5