Ponto de ônibus. Exatamente 20h16. Piedade, sr. Motorista, venha logo. Eu só quero chegar em casa. Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Uma senhora que fala e age como uma garota de 17, mas que tem rugas da era Paleolítica, se junta ao meu point do sofrimento. Ela não desgruda do celular, como se uma das suas principais artérias estivesse vitalmente ligada ao aparelho. Fala, e fala muito. E fala alto. E ri enquanto fala. Desejo imensamente que ela engasgue, para que o silêncio reine novamente no meu templo de cansaço. A conversa continua animada, e sequer é sobre a vida dela. Aliás, ela mesma diz para o(a) interlocutor(a) que faz questão de se manter longe do problema. Mas falar dele pode. Cogito socar sua boca a ponto dela engolir os próprios dentes. Qual a pena para agressão hoje? Enfim despedem-se ao telefone. Agradeço todo e qualquer nome de santo que me passa pela cabeça. E como quem faz de propósito, para provocar, ela liga para outro ser infeliz, disseminando a fofoca sobre a vida alheia que, “Deus me livre me envolver nisso!”, mas a pessoa precisa saber. Como um Sol em meio a nuvens negras, meu ônibus surge. Lotado, sujo e escuro, mas nunca me pareceu tão belo e salvador. Sonho com mil desgraças que essa mulher poderia sofrer: atropelamento, o ponto desmoronar sobre sua cabeça, uma bala perdida, ou até mesmo o engasgo previamente desejado. Mas na verdade, de coração, espero que o ônibus dela nunca venha.
Isso aconteceu comigo, mas poderia muito bem ser uma noite na vida de Ed Kennedy. Taxista entediado cujas maiores emoções na vida são as noites de carteado com amigos tão bem sucedidos quanto ele, e seu cachorro velho e fedido – o Porteiro. A perda recente do pai alcoólatra, o constante desprezo da mãe e a paixão quase platônica pela amiga fecham o quadro de solidão.
Em um súbito ato heroico, Ed impede um assalto a banco e cai as graças da mídia. Toda essa bravura tem grande consequência , pois logo em seguida, ele começa a receber indecifráveis cartas de baralho pelo correio. Os quatro ases contém uma série de endereços ou enigmas para serem decifrados. Ed Kennedy cede ao desconhecido e é levado até pessoas com problemas e dificuldades dos mais diversos tipo: uma mulher é estuprada diariamente pelo marido, uma senhora de 82 anos definha em solidão à espera do companheiro. Essas e outras situações só podem ser resolvidas por ele, porque ele é o único que sabe o que acontece cada dia com os quatro ases.
Em Eu sou o mensageiro, o australiano Markus Zusak – autor do aclamado e já conhecido A menina que roubava livros – cria um personagem ridiculamente simples e rotineiro, capaz de encarar o mistério e, através de sua infindável empatia e bondade, descobrir que ele, e todos nós, somos muito mais do que pensamos significar, e que nossas ações são o verdadeiro motivo da nossa existência.