Se você tem mais de vinte anos, certamente já ouviu falar em Cabalá pelo menos uma vez na vida. Seja pela superexposição a que foi submetida como a “mania esotérica do momento” quando Madonna começou a divulgá-la, seja por algum livro de auto-ajuda como “Anjos Cabalísticos”, “A Cabala da Comida”, “A Cabala do Dinheiro”, ou quem sabe “A Cabala que Merecemos… Mas Não Precisamos”.
Até mesmo definir o que é Cabalá se torna uma tarefa complicada, no meio de tantas opções e misturas que vemos por aí atualmente. Um provérbio judaico diz que “sábio é aquele que de todos aprende”. Mas onde está a Sabedoria?
A busca pela Sabedoria é uma parte intrínseca da Tradição Mística dos hebreus. A própria palavra “hebreu”, do idioma hebraico, significa “o povo que atravessou, que veio do outro lado”. Ok, mas… Atravessou O QUÊ? Do outro lado… de ONDE?
Afinal, não é possível que sejam apenas palavras aleatórias, jogadas de qualquer maneira. Claro, podem ter um significado muito simples como “o povo que atravessou o vale”, ou “que veio do outro lado do rio”. Mas a própria Cabalá trata de elucidar essas questões de maneira mais mística e, pasmem, cientificamente acurada.
Sempre me interessei por questões filosófico-científicas como, por exemplo, o que é o Tempo e quais as implicações da Física Quântica em nosso cotidiano. Foi justamente lidando com questões do cotidiano que travei meu primeiro contato com a Cabalá e, por consequência, passei a estudá-la.
E nada mais cotidiano do que ver um bom filme-pipoca. Eu estava assistindo a nova versão do Karatê Kid alguns meses atrás, quando uma frase do sábio mestre Mr Han (Jackie Chan) para seu discípulo Dre Parker (Jaden Smith) chamou minha atenção: “Kung Fu é como tratamos o próximo”.
Há toda uma preocupação nos filmes de artes marciais, mesmo os mais comerciais e simplórios, em apresentar os aspectos filosóficos, como a disciplina, respeito e auto-controle. Em uma frase simples, esse filme apresentou todos esses conceitos de maneira brilhante. Mr Han não ensinava Kung Fu para Dre aprender a bater, agredir, lutar ou mesmo para se defender dos moleques na escola. Ensinava Kung Fu para ele crescer.
Da mesma forma, tudo que aprendemos, todo o conhecimento que adquirimos, soma-se a nossas experiências e nos leva a crescermos, espiritualmente, fisicamente, intelectualmente. Com a Cabalá, é a mesma coisa.
Cabalá (a palavra é oxítona) significa “recebimento”. Mas QUEM recebe O QUE, e DE QUEM?
A Criação do Universo é descrita como um ato de contração e expansão, o Tsim-Tsum. A contração cria uma restrição e a expansão inicia o compartilhamento da Luz do Criador com sua criação. Porque D-us é em essência o desejo de compartilhar. Mas como pode D-us, sendo Eterno, Infinito, Onisciente e Onipotente compartilhar QUALQUER COISA? A Sua luz preenche toda a existência, em todas as direções e em todas as dimensões. Por isso há um movimento inicial de restrição: para que houvesse um lugar onde Sua luz NÃO chegasse. Esse lugar, “sem forma e vazio, com trevas sobre a face do abismo” é nosso mundo físico, que foi posteriormente banhado com a Luz: “Faça-se a Luz”.
Se o Criador é o desejo de compartilhar, a criação é em essência o desejo de receber. Assim, o Criador finalmente pode atender seu único anseio: a ascensão da Criação. Este processo descreve não apenas nosso propósito espiritual, mas o próprio mistério do surgimento do Universo, narrado no Gênesis, de uma forma que não é nem um pouco incompatível com a Ciência. Até mesmo porque o Zohar, um compêndio cabalista atribuído ao rabino Shimon bar Yochai, afirma que a Terra é redonda e devido a isso, o clima, vegetação e fauna são diferentes nas diversas regiões do globo. Sem novidades, certo? Certo, mas acredita-se que o Zohar tenha sido escrito no séc II, quando afirmar que a Terra é redonda podia render uma certa, digamos, dose de polêmica.
O “recebimento” a que a Cabalá se refere é justamente o recebimento da Luz, a elevação espiritual como processo natural do ser humano. Considerando-se seus aspectos místicos, a Cabalá é a Sabedoria revelada que permeia o Universo desde ANTES de sua Criação. Se formos considerar as ferramentas que a Cabalá disponibiliza para tanto, ela é a Ciência mais antiga e mais avançada conhecida pela espécie humana. O Zohar é uma dessas ferramentas.
Dentro da Tradição Mística, o Zohar (palavra hebraica que significa “esplendor”) é tratado com quase tanto respeito e santidade quanto a própria Torá (o Pentateuco da bíblia convencional: os livros de Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio). Seu texto é de uma profundidade impressionante, lidando com questões metafísicas que vão desde a Criação do Universo, passando pela alma e reencarnação, até a própria natureza do Divino. Tomada por um texto que explicaria a Torá, o Zohar é bem mais do que isso. Ele é considerado um portal para dimensões superiores, desde que estudado de maneira correta e compreendido em toda sua profundidade.
Outra ferramenta é o Livro da Formação, o Sêfer Yetzirá. Sua autoria é atribuída ao Patriarca Abraão (Avraham Aveinu), o primeiro monoteísta. Seu texto também é de difícil compreensão e trata da origem do Universo e descreve, com detalhes metafísicos impressionantes, quais ferramentas foram usadas para a Criação e como podemos usá-la no dia-a-dia. Inclusive quais letras hebraicas e quais meditações seriam necessárias para a criação de um golem, o homem de barro que protegeria judeus em tempos de perigo e que foi até tema de um episódio de Arquivo X.
Outro dos tomos fundamentais do estudo da Cabalá é o Bahir, atribuído ao sábio rabino Nehunya ben HaKanah e que teria sido escrito no primeiro século da era cristã. No formato de diálogo entre um mestre e seus discípulos, o Bahir (palavra que significa “iluminação”) trata dos primeiros capítulos do Gênesis, explicando seus significados e esclarecendo o papel das letras do alfabeto hebraico na Criação.
Finalmente temos a própria Torá, o Livro da Lei de Moisés. Segundo a Sabedoria da Cabalá, a Torá é, em si, um anjo, um nome de D-us, um organismo vivo além do tempo, espaço e movimento. Ela contém tudo que é, foi e será. Suas letras ocultam, sob a fachada da “história do povo de Israel”, a jornada espiritual de uma única pessoa, um ser singular em toda Criação, a pessoa mais importante a surgir no mundo desde que D-us disse “faça-se a Luz”.
Essa pessoa é você.
Ou eu.
Ou seu vizinho. Aquele colega de trabalho que você não vai com a cara. O esquisito que senta ao seu lado no ônibus. O político em que você não votou. O estranho misterioso que te ajudou. A mulher por quem você vai se apaixonar. A pessoa que vai te ajudar no momento que você mais precisar.
Todos.
Sim, a Cabalá, sob a forma da Torá, trata especificamente de quem se relaciona com ela e qual o papel dela no Universo. É o livro mais importante já escrito, e é sobre quem o lê.
E é sobre como tratamos o próximo
Tudo isso parece mágico, místico, esotérico ou confuso demais pra você? Não se assuste, também assim o pareceu para mim quando comecei a estudar. E, as primeiras palavras que ouvi de meu mestre ao tomar contato com esse conhecimento, faço questão de repetir agora:
Não acredite em NADA, absolutamente NADA do que eu disser.
Como diria o ET Bilú, “busque conhecimento”, ou seja, procure aprender, mas jamais se prenda a uma doutrina, religião, guru ou qualquer forma de restrição da Sabedoria. A Verdade e o Conhecimento não são privilégio de um ou de poucos, mas de todos. Um cabalista é meramente alguém que abre portas. Passar por essa porta é uma decisão sua. E se, neste texto, deixei mais perguntas do que respostas, pode estar certo de que foi proposital. Toda grande jornada, todo livro sagrado, todo amor, toda elevação… Todos são feitos de perguntas.