No caso de não ter assistido o Rises ainda, avisaremos mais abaixo de spoilers, por isso não se preocupe (se você já assistiu os dois primeiros).
Em Batman Begins, Nolan fez algo que era muito necessário ao Homem-Morcego: Ter a sua origem contada de uma forma que não fosse espalhafatosa e lambona. Só por isso, o diretor britânico já teria muitos méritos.
Ao contrário, a película cumpre com todas as expectativas, além de apagar da memória do espectador as galhofadas em neon de Joel Schumacher e as bizarrices góticas/barrocas de Tim Burton, põe no lugar uma imagem muito mais realista do personagem – guardadas as devidas proporções é claro, de qualquer forma a suspensão de descrença é baixa.
Baseado no roteiro de David Goyer – alterado por Chris Nolan – “Begins” mostra não só a origem do menino que perdeu os pais muito cedo, mas desconstrói o personagem Bruce Wayne – algo ainda inédito no cinema, nem nos 4 filmes anteriores isso aconteceu, o “Órfão” era sempre um desajeitado que não sabia o que fazer da vida…
As razões que levaram o protagonista a tornar-se o cruzado encapuzado são plausíveis e muito bem exploradas, mostrar o multimilionário descer de seu padrão de vida alto para mendigar em terras estrangeiras dá a dimensão do sacrifício do herói e sua transformação moral:
“Quando roubei para não passar fome, muitos dos meus conceitos de bem e mal mudaram!”
O segundo ato mostra o Batman em ação, e já escancara muito dos clichês do herói, a relação íntima com Jim Gordon – com um Gary Oldman absurdamente mergulhado no papel, idêntico a versão do Tenente em “Batman – Ano Um” de Frank Miller – sua maneira de sutil – só que não – de tratar os bandidos e policiais corruptos.
Mas uma demonstração da evolução do personagem, é a faceta de playboy fake que Bruce Wayne mostra, comprando hotéis caríssimos, andando sempre bêbado, desfilando com top models, etc. Michael Keaton por exemplo, parecia pouco á vontade como o multimilionário, estava sempre deslocado, e os outros mal valem menção diante da caricatura que se propuseram, mas Bale faz isso muito bem.
As cenas de ação são impecáveis, Batman causa medo – algo inédito até aqui, e o Batmobile/Tumbler é sensacional a cena de fuga destruindo metade da cidade faz qualquer vontade de ser realista em poeira, e isso pouco importa diante da magnificência da cena.
“- Por que um morcego?
Porque eu temo morcegos, e eu transformarei o meu medo, no medo deles!”
No quesito atuação salvo uma ou outra exceção – como Katie ex-senhora Cruise Holmes, que não é genial, mas também não compromete – o elenco é impecável. Christian Bale dá sentido a ambos os lados do Morcego e tem uma sintonia com o personagem que só é superada nos “cinemas de heróis” por Christopher Reeve e seu Superman-Clark Kent. Michael Caine e Morgan Freeman emprestam seus prestígios e talentos ao diretor, e Cillian Murphy e Tom Wilkinson fazem ótimos vilões, num misto de personagens sérios com momentos caricatos. Liam Neeson é muito bom, como se espera do grande ator que é, mas não brilha intensamente, até porque esse é um filme em que somente um personagem deve ser “explorado” – outro acerto de Nolan.
O mais importante no personagem título, é o seu entendimento do que é correto, Ducard tenta persuadi-lo a se aliar a Liga das Sombras, e o ajuda a encontrar o que tanto procurava : o SEU próprio conceito de JUSTIÇA. Bruce entende isso perfeitamente, e mesmo quando provado pelo mentor a quebrar a sua única regra, ele mantém-se firme, mesmo correndo risco de morrer.
Batman Begins estreou em 15 de Junho de 2005, e alçou ao estrelato seu protagonista e seu realizador, além de ser seguido por uma obra prima dos filmes de super-heróis!
Três anos após o Batman Begins, Nolan apresenta ao mundo, o seu melhor filme, a sua obra prima – Batman The Dark Knight.
Ação frenética, personagens carismáticos, ritmo absurdamente bem levado, frases de efeito, tudo isso contribui para o caráter “massa véio” da obra, mas TDK tem algo fundamental, e que difere os filmes puramente comerciais dos que são realmente bons – ele tem subtexto.
“Batman não tem limites!” – Bruce Wayne
Reunindo alguns elementos de HQs clássicas, como “A Piada Mortal” de Alan Moore e “O Longo dia das bruxas” de Jeph Loeb (eca) e Tim Sale, o roteiro dos irmãos Nolan faz muito sentido, tem viradas estratégicas e é praticamente impecável. Se em “Begins” a história se tratava da origem do personagem, e tinha uma Gotham corrupta como pano de fundo, a lógica agora inverteu-se, a origem do personagem vira o “pano de fundo”, para mostrar as consequências da chegada do justiceiro mascarado. Antes Gotham tinha na máfia seus maiores vilões e malfeitores, com a chegada do “cruzado encapuzado” viria uma “nova geração” de antagonista e obviamente, o que a cidade sofreria com isso.
“Vocês só pensam em dinheito. Essa cidade merece uma classe melhor de criminosos”
– Coringa
Este texto é redigido em 2012, 4 anos após o lançamento do filme, e discorrer sobre a ótima atuação de Heath Ledger seria chover no molhado, tudo o que poderia se falar já foi amplamente discutido, sua interpretação do príncipe palhaço do crime é única, o vilão representa a anarquia, inconseqüência e insanidade de uma maneira ímpar, mas ainda assim captando a essência do “Joker” das hqs. O frenesi na época escondia certas coisas e muito se falou de que o real protagonista do filme seria o Coringa, e isso está longe demais de ser verdade.
Harvey Dent, o promotor de Gotham City e o Cavaleiro Branco, baluarte da justiça, cede à pressão realizada pelo vilão da história, e veste a “máscara” vilanesca também (essa talvez seja a maior referencia a Piada Mortal, presente no filme), se tornando o lunático Two-Face. Quando o Morcego opta por assumir a autoria dos assassinatos, toma o foco da história para si, esse sim é Cavaleiro das Trevas e todo aquele bla bla bla proferido por Gordon ao seu filho no final do filme.
Mais uma vez as atuações estão maravilhosas, Christian Bale cada vez mais a vontade no papel, Caine, Freeman e Oldman muito bem, e Maggye Gyllenhaall emprega mais credibilidade que sua antecessora, Rachel Dawes é uma personagem mais crível nesse filme. Aaron Eckhart também é muito competente em seu papel.
Ainda sobre Duas-Caras, a cena em que o advogado vê a moeda de “duas faces” queimada, como prova da morte de sua amada, é genial, a música subindo, com seu “grito em silêncio” é um ótimo artifício para mostrar a transição da sanidade para a loucura psicopatica em que o personagem mergulharia dali para frente.
Em uma última análise ao Coringa, a ausência de origem do personagem é perfeita, pois justifica qualquer sandice que ele venha realizar, sem dar margem para argumentação contrária a ela. As cicatrizes e a maquiagem borrada mostram o total desapego do personagem com qualquer convenção ou regra social, chegando ao cúmulo do vilão queimar milhões de dólares.
E como diria o Mordomo, “só queimando a floresta” para entender a cabeça do sujeito…
E no final, ficou um problema, pois o Coringa é um vilão insuperável.
Mas Nolan pode ter uma carta na manga (com o perdão do trocadilho)!
Algo que talvez tenha faltado na resenha anterior, era dizer que a ascensão de Harvey Dent representava para Gotham, uma esperança de justiça, e para Bruce Wayne, a possibilidade de ter uma vida normal.
E mesmo com o fracasso da figura heróica de Harvey, ambos os objetivos foram alcançadas, ainda que de maneira coxa e capenga – e principalmente, fundamentados numa mentira.
Batman – The Dark Knight Rises trata de alguns assuntos fundamentais, um deles é a verdade que incomoda. A Lei Dent, instaurada após o assassinato do promotor público pelo “vil” homem morcego, praticamente erradicou o crime da cidade, proibindo condicionais e uma série de “benefícios” que a classe criminosa antes tinha. Acabou com a “corrupção” por meio dos mafiosos, mas escondeu uma faceta bastante hipócrita da cidade – personificada por personagens como o bilionário John Daggett por exemplo.
Isso é o máximo de ligação entre os 2 filmes, TDKR é uma continuação direta de Begins, sem dúvida alguma, e como nos outros filmes aborda temas muito relevantes, e por isso torna-se uma grande obra. Economia, política, capitalismo exacerbado, luta de classe, regado de referências a sagas sofríveis como “Queda do Morcego” e “Terra de Ninguém” (tá, a última é passável), que foram engrandecidas por Nolan, nem nos maiores sonhos dos fãs ardorosos tais histórias foram tão grandemente representadas como na película.
Mas, a referência maior não poderia jamais deixar de ser “Cavaleiro das Trevas” de Frank Miller, principalmente no que toca o hiato do Batman e seu retorno estrondoso. Até mesmo o Bane de Tom Hardy – grandioso e amedrontador – tem enormes referências ao Líder Mutante, um dos vilões da Graphic Novel.
Ainda sobre Bane, há muito o que se discutir, ele é personificado de maneira única, finalmente de um forma séria – pelo menos até certa parte do filme. A Selina Kyle de Anne Hathaway é muito boa, apesar de não ser a Mulher-Gato, é uma ladra/atriz sedutora, esguia e competente demais. Christian Bale faz a melhor atuação em toda franquia, e parece já sentir saudade do papel, e os coadjuvantes mais uma vez são perfeitos. Para falar deles, infelizmente não há como não soltar spoilers.
E isso acontecerá a partir de agora.
SPOILERS X SPOILERS X SPOILERS X SPOILERS X SPOILERS X SPOILERS X SPOILERS X SPOILERS X SPOILERS X SPOILERS X SPOILERS X SPOILERS X SPOILERS
Bom, como foi dito ao longo das ultimas 3 críticas, o Batman do Nolan não é o mesmo de Bob Kane, é uma releitura interessantíssima, e o seu desfecho foi um tanto controverso.
O roteiro corre bem até quase o final.
Em Begins, Rachel Dawes diz que Batman é a identidade real, Bruce o disfarce, isso pode ser encarado como uma visão pessoal da mesma, mas ainda assim é estranho que o ex-milionário se sinta á vontade com a aposentadoria
Nolan parece ter ficado com um certo receio de ser criticado como foi em Inception, com o “pião indefinido” e dessa vez tomou partido,mostrou TUDO do futuro dos personagens. O excesso de flashbacks e repetições de falas (esse último foi constante nos outros 2 filmes também) faz com TDKR pareça Batman for Dummies, em determinados momentos. Esse excesso de explicações empobrece o filme.
Talvez a conduta que mais tenha diferido de tudo já realizado em matéria de Batman, foi a postura de Alfred com relação à volta do herói. Michael Caine está maravilhoso, e demonstra toda a preocupação por seu pupilo com lágrimas que comovem quem assiste, mas ainda assim, o Mordomo não abandonaria Bruce, mesmo a contragosto, mesmo temendo por sua morte. Isso até seria relevado, se não fosse o final adocicado que Nolan preparou para o personagem trágico que ele mesmo criou. Revelar Bruce com Selina Kyle em um café de Florença foi “mostrar demais”, foi o “pião” de “Origem”, só que ao contrário. Nessa caso, uma olhadela de Alfred seria o suficiente, visto que a cena anterior mostrou que Wayne consertou o piloto automático, e que o colar da Martha Wayne tinha sumido do inventário do falecido Bruce.
Voltando ao Bane, o vilão foi banalizado e desmoralizado, quase tanto quanto em “Batman e Robin” de Joel Schumacher, no final das contas, ele tornou-se um mero capanga. E Nolan mais uma vez mata Marion Cottilard de maneira esdrúxula. Apesar do grande talento da atriz, a empatia de Miranda Tate com Bruce é estranhíssima, e seu caso de amor ocorre de maneira rápida e forçada. Tália ia até bem, nos poucos minutos que apareceu, mas sua morte foi tão mal realizada que dificilmente deixará saudades.
Joseph Gordon-Levitt fez um policial interessante, apesar de seu papel representar uma das coisas que Nolan disse que jamais se encaixaria na sua concepção do Cruzado Encapuzado – e sim, isso pode causar raiva em uma grande parcela de fãs.
Olhando os argumentos acima, TDKR pode parecer um filme ruim – isso está longe de ser a verdade, seu subtexto é o mais forte da franquia, discorre sobre temas diversos e mostra uma maturidade muito incomum para um filme de herói.
“Ressurge” é o filme menos verossímil do ponto de vista estético, é muito mais heróico que seus antecessores, fecha com dignidade a franquia, e tem uma mensagem interessante, a de que qualquer um pode ser um herói.
PS. 1: Jonathan Crane está demais no filme.
PS. 2: Por mais que o brinquedinho novo BAT seja muito “maneiro”, o batpod com rodas giratórias é icônico demais, não há como ver e não querer um.
PS. 3: O Poço de Lázaro de Nolan é uma interpretação interessante, mas a cura da coluna do Batman é muito forçada.
PS. 4: O que não se pode esquecer apesar da interpretação Batman NÃO abandona Gotham! Bruce Wayne é o Batman!
Como em Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, o Batman só se “aposentaria” para treinar outros justiceiros, e conhecendo o herói, dificilmente ele faria isso, sem supervisionar de perto.