Pare! Não descarte essa resenha só por que tem vampiro no meio!
É fato que depois de uma onda da deturpação do conceito, acabamos por torcer o nariz para qualquer coisa que tenha um par de caninos no meio. E com muito prazer apresento-lhes a obra que fará esquecer tudo isso. Eu sou a Lenda é um clássico da literatura de Horror, escrita por Richard Matheson, premiado autor de clássicos romances, contos e roteiros. Mas não estou aqui para falar do livro.
Com adaptação de roteiro e desenhos de Steve Niles e Elman Brown, nasce uma belíssima adaptação e homenagem ao romance de horror aonde os vampiros dominaram a terra em Quadrinhos.
A história de Robert Neville, um herói trágico, condenado a viver como último humano na terra. Trabalhada de maneira primorosa, a ambientação te passa um clima solitário e depressivo do começo ao fim da narrativa. É difícil gostar de Neville no começo, “humano” demais. Ele é o que qualquer pessoa poderia ter sido naquela situação. E talvez seja essa verossimilhança do personagem e das suas decisões que fazem ele tão cativante para o leitor. E acaba também gerando um desconforto, uma situação tão real, você se pergunta se realmente não poderia acontecer.
No universo de Eu sou a Lenda, temos contato com o vampiro clássico. Sem super força ou velocidade, sem charme, nem consciência. Vampiros são quase como animais, restando em apenas alguns deles os traços dos humanos que um dia foram, outros visivelmente viraram mortos vivos em busca da próxima refeição. Apesar de fracos contra alhos, estacas de madeiras e cruzes, a história trabalha toda a biologia vampiresca com maestria, de maneira não-sobrenatral. O que duvidei no começo, já que o livro foi escrito a muito tempo, esperava algo realmente sobrenatural e sem explicação, ledo (e feliz) engano.
O traço psicológico se apresenta de maneira importante na trama, Neville perdeu esposa e filha de maneira traumática, viu sua vida ruir diante dele junto com toda a sociedade, e toda noite é atacado por uma horda, obrigado a se trancar com espelhos e alhos em volta da casa. Durante o dia ele trabalha no conserto da casa, procura de comida e coisas úteis que poderão ajuda-lo. Neville cresce ao longo da história, e seu aprendizado cresce junto ao leitor. A HQ transpira solidão, não poder conviver ou conversar com outros seres humanos, sem nada mais que possa se apegar além dos vícios de cigarro e bebida. Não saber se sua refeição será a última. Viajamos dentro da cabeça e da vida de um personagem que perdeu a fé, se questiona o porque ainda está vivo e se deveria continuar vivendo.
Os traços de Elman Brown conseguem transmitir todo o conceito por trás da obra, demorei a me acostumar com ele, mas depois de terminar a HQ senti como se não houvesse outra possibilidade para os desenhos. Enquanto a adaptação de Steve Niles, transpassa todo o horror e solidão que o livro tem, a leitura é lenta, por vezes somos presos a mais texto que imagens, tanto dentro da mente do personagens com lembranças, motivações, sentimentos, busca pela verdade. A própria descrição das ações se deve as vezes pela palavra que pelo desenho.
Não procure essa HQ por ação ou dinamismo, mas por uma experiência diferenciada. E eu prometo que a HQ vai te trazer algum sentimento até o final, diferente de muitas que vemos por aí: medo, esperança, humanidade, felicidade, apreço pela vida e sobrevivência.
fonte das imagens Action Nerds